O reconhecimento do trabalho de cuidado não remunerado vem ganhando espaço nas discussões sobre desenvolvimento social e econômico. Recentemente, o Brasil deu um passo importante ao aprovar um projeto que busca medir e valorizar oficialmente essas atividades, que por décadas permaneceram invisíveis nas estatísticas nacionais. A proposta cria um mecanismo específico para quantificar tarefas como cuidar de crianças, idosos, pessoas com deficiência e manutenção do lar, que, embora essenciais, ainda não são computadas nos indicadores econômicos formais. Essa iniciativa representa não apenas um avanço estatístico, mas também uma mudança de mentalidade sobre o papel que essas atividades exercem na economia e na sociedade.
A realidade mostra que essas tarefas recaem majoritariamente sobre as mulheres, criando desigualdades que impactam o acesso ao mercado de trabalho, à educação e ao lazer. Ao estabelecer um sistema de acompanhamento, será possível demonstrar em números o peso econômico dessas funções e, a partir daí, subsidiar políticas públicas que promovam uma divisão mais equilibrada de responsabilidades. Esse é um passo essencial para romper ciclos de desigualdade e permitir que o desenvolvimento econômico seja, de fato, inclusivo.
O mecanismo proposto utiliza o conceito de conta-satélite, um recurso técnico aplicado em diversos países para medir setores não contemplados integralmente pelo Produto Interno Bruto. A grande inovação está em associar a coleta de dados a pesquisas de uso do tempo, permitindo estimar valores monetários para atividades até então não remuneradas. Isso abre caminho para a construção de indicadores complementares ao PIB, fornecendo aos formuladores de políticas um retrato mais fiel da dinâmica econômica nacional. Ao contrário de outros índices, essa metodologia não substitui o PIB, mas o enriquece com novas perspectivas.
Diversos estudos já apontam que o valor dessas atividades é expressivo. Pesquisas indicam que, se contabilizado, o trabalho doméstico não remunerado poderia representar mais de 10% da riqueza anual do país. Esses números deixam claro que ignorar esse segmento significa desconsiderar uma parcela substancial da economia. A mensuração oficial permitirá que o Estado dimensione corretamente o impacto dessas funções e crie estratégias para reduzir as disparidades, seja por meio de incentivos fiscais, ampliação de serviços públicos ou políticas de redistribuição de responsabilidades.
Experiências internacionais demonstram o potencial transformador dessa abordagem. Países como Austrália, Canadá, México e Suécia já aplicam métodos semelhantes, obtendo estimativas que variam de 25% a quase 60% do PIB quando incluem o valor do trabalho não remunerado. Além de mensurar, essas nações implementaram medidas práticas como licenças parentais mais igualitárias, creches públicas de qualidade e programas de apoio a cuidadores informais. O Brasil, ao seguir essa linha, terá condições de alinhar-se a padrões globais e adaptar soluções de acordo com suas especificidades sociais.
Outro ponto relevante é a articulação institucional necessária para implementar a medida. O processo envolve órgãos como o IBGE, ministérios e conselhos ligados à defesa dos direitos das mulheres, além de parcerias com universidades e organizações sociais. Essa integração é essencial para garantir a qualidade dos dados e a efetividade das ações. Com base em informações confiáveis, será possível direcionar investimentos, planejar programas e monitorar resultados de forma mais estratégica.
Os impactos dessa mudança vão além da esfera econômica. Ao trazer visibilidade para essas funções, o país também reforça valores como justiça social, reconhecimento e valorização de todas as formas de trabalho. Essa transformação cultural é indispensável para reduzir preconceitos e promover uma sociedade mais igualitária, onde homens e mulheres possam compartilhar de forma equilibrada as responsabilidades domésticas e de cuidado.
Em síntese, a aprovação dessa medida representa uma oportunidade histórica para o Brasil corrigir uma distorção de longa data na forma como mede sua economia. Reconhecer oficialmente o trabalho de cuidado não remunerado é investir em equidade de gênero, sustentabilidade social e desenvolvimento econômico. Ao dar o devido valor a essas atividades, o país não apenas avança nas estatísticas, mas também na construção de uma sociedade mais justa e preparada para os desafios do futuro.
Autor: Stephy Schmitz