Segundo os mais recentes dados do Atlas da Notícia, censo sobre a presença do jornalismo local no Brasil, o Nordeste é a região com maior proporção de desertos de notícias do país apesar dos números demonstrarem uma redução de 8,6% dessa escassez em território nacional. O estudo evidencia o fluxo de presença da notícia e aponta para a urgência de investimentos na área.
Para falar sobre a situação do Nordeste nesse contexto, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou a jornalista e pesquisadora do Atlas, Mariama Correia. Ela também tem experiência com o fortalecimento do jornalismo local na região com a newsletter Cajueira. Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Como funciona a metodologia do Atlas da notícia?
Mariama Correia: O Atlas da Notícia é o mapeamento do jornalismo no Brasil. A gente, na verdade, tem utilizado a palavra censo. O Atlas hoje é um grande censo do jornalismo local brasileiro. É quando a gente encontra onde está o jornalismo local e onde se encontram os veículos em atuação fazendo coberturas a partir dos seus territórios. A partir daí, a gente também consegue identificar onde eles não estão. Então essa ausência do jornalismo local, a gente chama de “deserto de notícias”. O Atlas é inspirado em outras pesquisas que também trabalham com esse conceito do deserto notícias e é um levantamento pioneiro no Brasil, é o maior mapeamento de jornalismo local no Brasil em atividade. Esse ano foi a quinta edição e a gente faz esse levantamento com a participação de pesquisadores por região, eu sou responsável pela região Nordeste e a gente tem um pesquisador e/ou pesquisadora em cada região do país. Fazemos esse levantamento também com a participação de voluntários que geralmente são estudantes e professores de jornalismo dos estados que mapeiam as suas regiões. Então, é um levantamento é muito grande que envolve uma rede imensa de pessoas.
Brasil de Fato: O Atlas traz o conceito de deserto de notícias, que são territórios onde a população não dispõe de informações de veículos jornalísticos locais. Na última edição do estudo, o Nordeste aparece com uma redução de 9% desses desertos. A gente pode comemorar essa redução?
Mariama Correia: É uma boa notícia, mas a gente ainda tem muitos desafios. Um dos desafios é a qualidade desse conteúdo e o outro é sustentabilidade financeira desses veículos que surgem, mas que muitas vezes não tem condições de continuar fazendo investimentos e melhorando a sua cobertura. Terminam sendo financiados muitas vezes por grupos políticos, buscando financiamento de grupos privados e políticos. O que o Atlas tem mostrado ano após ano é uma redução dos desertos de notícias com o avanço do digital. A gente tem atualizado a metodologia do censo para se adequar à realidade do jornalismo no Brasil, porque temos um enxugamento das grandes redações, descontinuidade das edições impressas dos jornais e um avanço de veículos ditos “nativos digitais”. Ou seja, o avanço de veículos que existem e que nascem na internet. Não são jornais que tinham uma versão impressa que depois se tornou um site. Eles hoje se estabelecem de formas muito diversas e existem também veículos que estão fazendo uma cobertura local só em plataformas de redes sociais. Esse ano foi possível mapear muitas iniciativas que produzem notícia própria, produzem notícia original e não apenas republicam notícias de outros veículos. Produzem com periodicidade. O Atlas engloba tudo isso e também as rádios comunitárias, que são veículos super importantes que fazem uma cobertura noticiosa também e que ao longo da pesquisa a gente passou a enxergar esses veículos como jornalísticos. No começo a gente classificava esses veículos como não-jornalísticos e depois por uma atualização da metodologia a gente compreendeu esses veículos como jornalísticos e, sobretudo, depois do período da pandemia, em que as rádios comunitárias foram muito importantes também para informar populações sobre a vacina contra a Covid-19, o uso de máscaras de proteção e outras questões de saúde.
Brasil de Fato: O Atlas também aponta que 80% dos veículos mapeados no Nordeste são nativos digitais ou rádios. E quem não tem internet ou acesso às tecnologias de maneira geral, fica como?
Mariama Correia: A questão das rádios comunitárias são muito importantes nos municípios para informar as pessoas, sobretudo as pessoas que não têm acesso adequado à internet ou não tem internet com velocidade, ou acesso à banda larga. Hoje no Brasil o que a gente vive também é que muitos planos de celular oferecem acesso ilimitado a plataformas como WhatsApp e redes sociais, isso é uma questão que está muito relacionada com a desinformação. Muitas vezes as pessoas não têm acesso, não conseguem acessar com tanta rapidez um site de notícias, mas conseguem se informar pelo WhatsApp e ali termina prosperando também muita desinformação. O Nordeste embora venha apresentando essa redução do deserto notícias na base do Atlas, ainda tem mais de 56% dos municípios classificados como esses desertos. A região é muito grande, é a que tem mais estados do Brasil e isso tem a ver com essa dimensão do Nordeste, mas também com a redução de veículos, o enxugamento das grandes redações, o fechamento de sucursais. Tudo isso impacta diretamente nessa desertificação de notícias, porque a gente tinha há uns anos veículos fazendo coberturas muita vezes a partir das capitais, mas que tinham as sucursais em algumas cidades mais interioranas e que faziam uma cobertura da região. Hoje temos menos veículos estruturados fazendo esse tipo de cobertura.
Brasil de Fato: Você também é cofundadora da Cajueira, uma plataforma de curadoria de conteúdos do jornalismo independente do Nordeste. Como tem sido essa experiência de diálogo com a população sobre a nossa região?
Mariama Correia: A Cajueira nasceu há quase três anos para preencher uma lacuna, que era uma lacuna que a gente sentia de afirmar esse lugar do jornalismo no Nordeste não pelo lado do que falta, mas pelo lado do que já existe e da potência do que existe e da diversidade do que existe. Porque hé uma concentração do jornalismo no Brasil que é histórica no eixo Sudeste, no eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília também. Não é nem Centro-Oeste, mas é Brasília. Onde está o centro do poder federal. E essa concentração produz uma distorção, a gente fala do Brasil e enxerga o país apenas por uma parte dele. Os grandes jornais ditos nacionais têm as suas redações sediadas no Sudeste, em São Paulo ou Rio de Janeiro, e a Cajueira nasce como a curadoria de conteúdo do jornalismo independente nos estados do Nordeste para mostrar e afirmar a diversidade dessa região, a qualidade do jornalismo que está sendo produzida nos nove estados do Nordeste. Para mostrar que o Nordeste não é um bloco uniforme. O Nordeste são vários nordestes dentro da região, em cada estado você vai ter realidade muito diferente.