“O Brasil tem uma riqueza institucional fantástica, mas falta uma cooperação entre instituições e agentes que promovem a inovação no país”, ressaltou o vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcos Cintra, durante a abertura da Conferência Livre de CT&I: Políticas para Ciência, Tecnologia e Inovação com Base em Evidências, que ocorreu no dia 3 de abril em São Paulo. O evento reuniu membros do Sistema Nacional de CT&I com o objetivo de propor contribuições, com base em evidências, para a nova política do setor.
As propostas apresentadas durante esta Conferência Livre representam uma contribuição para elaborar uma Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) no Brasil, e fazem parte da preparação para 5ª Conferência Nacional de CT&I, que ocorre de 4 a 6 de junho, em Brasília (DF).
Proposições para a governança das iniciativas na área de CT&I
O primeiro painel da Conferência debateu a Governança do Sistema de CT&I e a coordenação das iniciativas dos órgãos de fomento e agências de financiamento que atuam no setor. De acordo com o diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Alvaro Prata, a ciência deve nortear todas as decisões nacionais na esfera executiva, apoiando ações nos diversos ministérios.
“Não dá para tomar uma decisão seja no meio ambiente, saúde, infraestrutura ou segurança pública, sem tomar como base a ciência”, disse Prata. O professor e ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) propôs uma reestruturação dos ministérios de forma a gerar mais centralidade às ações de Ciência, Tecnologia e Inovação com base no livro Ciência para Prosperidade, uma publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Alvaro Prata propôs ainda a criação de uma nova função – os Conselheiros Estratégicos em CT&I – para participar nos diferentes setores do Legislativo, Judiciário e, principalmente, Executivo. Neste sistema, cada Ministério teria a figura de um conselheiro estratégico em CT&I para atuar conjuntamente com o MCTI, garantindo que as decisões tomadas em diversos âmbitos sejam baseadas em evidências científicas.
Na sequência, a presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Eliete Bouskela, alertou para a necessidade de as indústrias absorverem mestres e doutores, destacando a realidade de outros países. “Na Suécia, por exemplo, as indústrias costumam estar localizadas próximas às universidades para que possa haver um maior diálogo entre a universidade e a indústria”, destacou Bouskela, a primeira presidente mulher em 195 anos da ANM.
O professor emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jorge Guimarães, acredita que é preciso reformular o modelo de ensino médio e superior no país a fim de ampliar a oferta de profissionais mais qualificados no mercado: “Também é preciso reorientar a missão dos Institutos Federais para atuar no ensino secundário e pós-secundário, além de articular parcerias com o sistema SENAI/SENAC com foco na formação complementar, e promover uma Reforma Universitária, talvez o desafio mais profundo”.
Guimarães foi seguido pelo presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antonio Zago, que foi categórico ao afirmar que falta governança de CT&I no país. Zago defendeu que incrementar sistemas de CT&I estaduais e regionais pode melhorar esta situação e ressaltou a importância de conferências como essa organizada pela FGV para discutir esses temas.
“Esperamos que ao final desse ciclo que culminará na 5ª Conferência Nacional de CT&I, tenhamos novamente um plano estratégico para o país, com linhas prioritárias de ação, metas definidas e recursos reservados para sua execução. Este plano deve levar em conta a enorme diversidade regional de um país continental, para isso é essencial fortalecer as agendas estaduais e regionais de pesquisa para o desenvolvimento científico e tecnológico, com participação da comunidade acadêmica e empresas locais, com recursos federais e do estado combinados”, discursou o presidente da Fapesp.
Quem encerrou o painel foi o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo, Vahan Agopyan, reiterando a necessidade de fortalecer ambientes de inovação e o apoio a empresas inovadoras, principalmente startups.
Avaliação dos Investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação
O segundo painel do evento apresentou propostas para a Definição de Diretrizes e Sistema de Avaliação Permanente para os Investimentos em CT&I. O diretor do CGEE, Caetano Penna, apresentou cinco proposições para avaliar políticas orientadas por missões. A primeira proposição afirma que avaliar o impacto de políticas orientadas por missões é uma tarefa elusiva, pois trata-se de uma questão de longo prazo. A segunda proposição indica que alcançar missões implica em mobilizar capacidades e realizar atividades de capacitação de forma sistêmica.
“Capacidade é o estoque de recurso que o país tem e capacitação é uma habilidade organizacional. Essas capacidades são facilitadas por três mecanismos: colaboração, competição e controle”, explicou Penna. Segundo o diretor, as demais proposições atestam que “missões requerem um mix consistente, coerente, abrangente e integrado de políticas e instrumentos”, além disso “políticas orientadas por missão são ancoradas em mecanismos e estruturas dedicadas para a aprendizagem institucional”, e, por fim, “é possível monitorar e avaliar políticas orientadas por missão a partir de ‘Teorias da Mudança’ específicas”.
O diretor detalhou ainda como é possível monitorar e avaliar políticas orientadas por missão a partir dessas Teorias da Mudança específicas, baseado em um estudo de 2023 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). “É possível monitorar essas políticas não olhando para o impacto, se ela é eficaz ou eficiente, mas olhando o processo dos insumos que são postos dentro da política”, destacou Penna.
Além do CGEE, o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP) também participou do painel. O presidente do Conselho, Odir Dellagostin, antes de propor recomendações para a nova política do setor, demonstrou a importância dos investimentos em CT&I.
“Um compilado de estudos da União Europeia mostrou que o valor total gerado pela pesquisa pública é de 3 a 8 vezes o valor do investimento. Um outro estudo do Reino Unido evidenciou que para cada £1 (uma libra) investida pelo governo, é produzido um retorno social entre 20% e 50% de Pences (centavos de libra) perpetuadamente”, contextualizou Dellagostin. Ele também apresentou um estudo de 2017 que demonstra o impacto no crescimento econômico para cada 1% de aumento nos gastos públicos em áreas selecionadas, principalmente referente aos investimentos relacionados a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Entre as recomendações elaboradas pelo presidente do Confap, estão: estabelecer metas claras e mensuráveis, além de adotar abordagens multidimensionais de avaliação, capaz de considerar diversos aspectos como impacto socioeconômico, inovação tecnológica e contribuição para o desenvolvimento sustentável.
No mesmo painel, José Biruel, gerente de Relacionamento Ciência e Tecnologia do Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação (CENPES) da Petrobras, e o pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE), Paulo Figueiredo, contribuíram com proposições para a agenda de CT&I.
Biruel apresentou a experiência da Petrobras nos investimentos em P&D, enquanto Figueiredo focou no papel da acumulação tecnológica, sob a ótica da indústria, como uma forma de contribuir para formar diretrizes de avaliação dos investimentos em CT&I. O pesquisador também enfatizou a limitada participação do setor privado nos investimentos nacionais em P&D comparado a outros países: “nós ainda temos uma altíssima presença do setor público neste investimento e pouco do setor privado, o que nos leva a uma ausência de capacidade no setor privado para inovar”, comentou Figueiredo.
Em meio as suas propostas, o pesquisador ressaltou a necessidade de posicionar a indústria no centro das políticas de inovação; valorizar a importância da acumulação de capacidades tecnológicas para inovação em nível empresarial; desenvolver e fortalecer ecossistemas e suas startups em áreas estratégicas para o Brasil, com foco em exportação; além de estimular a diversificação tecnológica das empresas para gerar transformação do tecido industrial.
Entre os debatedores desse painel, o vice-diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), Tales Andreassi, citou um artigo da pesquisadora Fernanda De Negri “Políticas Públicas para Ciência e Tecnologia no Brasil: cenário e evolução recente” que analisa as políticas de inovação.
“Ao abordar os fundos setoriais, as leis de inovação, a P&D compulsória e os gastos nacionais em C&T nos últimos 20 anos, a pesquisa conclui que, em 2020, o gasto do Brasil com Ciência e Tecnologia é de 0,5% do PIB. Ou seja, passaram-se 30 anos e chegamos ao mesmo valor de 1992. Entre 2013 e 2020, os gastos caíram 37%. A grande questão aqui é como blindar a área de C&T de uma variação tão grande desses investimentos”, ressaltou Andreassi.
Outra instituição que marcou presença neste debate foi o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), através do pesquisador João De Negri, que chamou atenção para o fato de que não há um mapeamento dos laboratórios de pesquisa no país com suas capacitações em diferentes áreas do conhecimento. “A sugestão é desenvolver um programa que dê escala para o investimento em CT&I, criando polos tecnológicos de alto impacto”, contribuiu o pesquisador do IPEA.
Impactos das Políticas e Programas em CT&I
No último painel da Conferência, o diretor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV EPPG), Edson Kondo; o presidente da Embrapii, Francisco Saboya; o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Carlos Ferraz; e o diretor-presidente da Recepta Biopharma, José Fernando Perez, se reuniram para dialogar sobre a Definição de Métricas para Mensuração e Avaliação dos Impactos das Políticas e Programas em CT&I.
De acordo com o diretor Kondo, o aumento da velocidade nos avanços tecnológicos é algo que gera preocupação na hora de avaliar os indicadores. Francisco Saboya complementou a fala do Kondo reiterando que se a velocidade não for posta como uma variável na equação da inovação o Brasil não vai avançar para ser uma nação “upload”, ou seja, capaz de gerar inovação e exportá-la.
“Minhas sugestões são a criação de indicadores que levem em consideração o tempo e a velocidade com que as inovações acontecem, que também levem em consideração a comercialização do conhecimento embutido por trás de uma patente ou pesquisa, e a incorporação de valor na balança comercial do Brasil”, concluiu o presidente da Embrapii.
Todos os painéis desta Conferência Livre abriram espaço para debatedores convidados fazerem recomendações e para manifestações por parte da plateia.